segunda-feira, 12 de maio de 2014

''Desculpem, mas não quero participar do meu linchamento.''

Por Fernando Castilho

''Desculpem, mas não quero participar do meu linchamento.''

Foi com essa frase que o ator Alexandre Nero se despediu do Facebook, após explicar em um texto publicado no UOL, suas razões.




Segundo afirmou, está cansado do discurso de ódio de algumas pessoas na rede social.
E tem razão.

O ódio vem sendo disseminado tanto na internet quanto na televisão.


Foi através dessa prédisposição ao ódio, que um grupo de moradores do bairro Morrinhos no Guarujá espancou no último dia 3 de maio, até a morte, Fabiane Maria de Jesus, uma inocente dona de casa, após um boato circular no Facebook, através da página Guarujá Alerta, dando conta de que uma mulher sequestrava crianças para praticar rituais de magia negra.

Mesmo que fosse culpada, não se justificaria tal ato de violência.

Linchamentos no Brasil sempre houveram, porém de fevereiro para cá, os casos aumentaram muito, após o incitamento ao justiçamento com as próprias mãos proferido em rede nacional pela apresentadora do SBT, Rachel Sheherazade.

O número de páginas e grupos no Facebook que adotam o discurso de ódio, principalmente à esquerda, à Presidenta Dilma Rousseff, José Dirceu, José Genoíno e ao PT tem crescido muito ultimamente. Os membros que os compõem possuem um perfil parecido: geralmente são relativamente jovens, com formação no máximo até o Ensino Médio, incapazes de argumentos em debates, e muito, muito violentos. Mesmo não sendo ricos (a maioria pertence à crescente classe C), defendem com unhas e dentes a direita, quando não a ultra-direita e até o nazismo.

Recentemente a imprensa divulgou preocupação do Ministro Joaquim Barbosa, presidente do STF, com uma ameaça de morte feita a ele por alguém que talvez seja partidário do PT, embora todos saibamos que há vários fakes no Facebook se fazendo passar por militantes do Partido dos Trabalhadores, numa das várias manobras que a oposição tem desencadeado na internet.

Mas ninguém na mídia comenta o grande número de ameaças que a Presidenta Dilma Rousseff sofre na rede. Há até um policial federal na página Polícia Federal (falsa) praticando tiro ao alvo numa caricatura de Dilma.

O publicitário Enio Mainardi também se aproveitou da onda de ódio contra a presidenta e publicou num texto que se tivesse um fuzil AR-15 poderia fazer uso dele. Leia aqui.

E além desses, embora não cheguem a sugerir assassinatos, é óbvio que, de maneira indireta, os colunistas da direita, principalmente Reinaldo Azevedo, Merval Pereira, Eliane Cantanhêde, os desclassificados Arnaldo Jabor, Rodrigo Constantino, Lobão e Diogo Mainardi e também os novos comediantes de stand-up e apresentadores de talk-shows como Danilo Gentilli e Rafinha Bastos, contribuem e muito para criar nas mentes de seus fãs uma massa crítica que vai desembocar no rascismo, na intolerância e no preconceito, forças motrizes da violência e do ódio. São os tais formadores de opinião.

Não se tem uma compreensão ainda deste fenômeno recente, como atesta o texto de André Singer.

Bem, a onda de ódio está instalada, mas o que se há de fazer?
Muito.

Primeiramente, quanto à Rachel Sheherazade, as pessoas que se sentiram enojadas, em rede deveriam exigir que ela se calasse. Temos uma grande participação nessa onda de ódio e devemos repudiá-la com veemência. Afinal, como disse o Bispo Desmond Tutu, ''se você é omisso em situação de opressão, você escolhe o lado do opressor''.

A Associação Brasileira de Imprensa deveria repreender a apresentadora por ter ela desrespeitado o Código de Ética do Jornalismo. Em caso de reincidência, deverá cassar seu registro profissional.

O Ministério Público aceitou recentemente denúncia contra Sheherazade por ter ela desrespeitado a Constituição no que diz respeito ao incitamento à violência, numa representação feita pela Deputada Jandira Fegalli (PCdoB).

O Ministro Paulo Bernardo das Comunicações juntamente com seu colega José Eduardo Cardoso da Justiça e o Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, deveriam repreender o SBT e exigir que discursos como o proferido por Sheherazade não mais ocorram, sob pena de cassação da concessão.

O mesmo deve ser feito em relação aos programas de Marcelo Rezende e José Luís Datena e suas respectivas redes de televisão.

Quanto às páginas e grupos de ódio nas redes sociais, caberia ao Ministro das Comunicações realizar gestões junto aos proprietários ou representantes legais de Facebook e Twitter para que as páginas e grupos que incitam a violência sejam fechados, assim como tem sido canceladas páginas de esquerda sem nenhum motivo.

Mas quem teria a obrigação mesmo de se posicionar contra esse discurso de ódio em rede nacional que está a crescer cada vez mais é Joaquim Barbosa. Como presidente do STF, órgão máximo da justiça do país, é a ele que caberia exigir que cessassem os justiçamentos, pois só cabe à Justiça a responsabilidade em julgar e condenar.

Mas, depois de tantas demonstrações de arbitrariedades cometidas ao arrepio da Justiça, que moral resta a Barbosa para isso?

Arrisco-me a conjeturar se ele mesmo não seria o responsável em última instância pela desconfiança na Justiça, que causa nas pessoas o sentimento de que, se ela não funciona, ou se funciona de maneira arbitrária, por que não a fazermos nós com as próprias mãos?


Latuff







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