sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Os ''bem informados'' e o Bolsa-família

Por Fernando Castilho


Preâmbulo verdadeiro

Gente que se faz sozinha desde 2003 (meramente ilustrativa)
Antes do assunto propriamente dito a ser tratado, quero contar uma história ilustrativa.

Tenho um amigo.
Não me importo se ele, ao ler isto resolva romper relações comigo. Confio mais que faça uma refllexão que o auxilie a encarar a vida de outro modo. Seria bom para ele.

De origem humilde, tornou-se microempresário herdando a empresa do pai que falecera. Como todo mundo que inicia seus passos, jovem ainda, dentro da livre iniciativa, passou maus bocados, mas fez sua vida durante a última década.

Passando a vestir só grifes e a gastar em caros restaurantes, chegou a ter cinco carros, dois em sua garagem, outros nas de vizinhos.

Esquecera de sua origem.


Embora tenha sido beneficiado pelo crescimento econômico durante o governo Lula, credita seu sucesso somente ao seu próprio esforço. Esqueceu-se de que antes de 2003, ralava muito e nada acontecia.

Com a firme ideia de que já não era mais pobre, mas que era quase um rico, passou a frequentar rodas em que todos, a qualquer momento, execravam o Partido dos Trabalhadores. Aderiu rapidamente a essa turma. Agora odiava pobre.

Inflado pelo consumo desenfreado de seus novos pares, passou a gastar mais do que ganhava, contraindo enormes dívidas.

Um dia, ao visitá-lo, mostrou-me seu sonho de consumo, enfim atingido. Um daqueles jipões, importados de 6 cilindros, uma maravilha!

Porém, algumas semanas mais tarde, fora convidado pelo pai da namorada rica de seu filho mais velho, homem que, segundo ele, mantinha negócios escusos, a passar um fim de semana em sua casa na praia, uma mansão no Guarujá.

Segundo ele próprio me contou, foram em dois carros.
O pai da moça possuía um jipão de 8 cilindros e, durante a viagem, ligou pelo celular ao meu amigo, dizendo em meio à gargalhadas, que não o via pelo retrovisor.

Humilhado pelo homem, na semana seguinte desfez-se do que ele próprio passou a chamar de ''lixo''. Vendeu seu ''lixo'' por preço inferior ao de mercado, somente para poder comprar outro igual ao de seu rival.

Fim da historinha.

Família aguardando o instrutor de pesca

Há décadas atrás, nos tempos em que Lula disputava com Collor e Brizola as eleições de 1989, o que este blogueiro mais ouvia de seus parentes e amigos, todos cristãos, era que o Brasil era uma vergonha por ser um país tão cheio de gente pobre e miserável, que precisava de atenção do governo, atenção esta que nunca lhes fora dada.

Acredite, as pessoas se diziam indignadas com a desigualdade!

A Sudene e a Sudam eram uma vergonha por não conseguirem melhorar a vida de nossos irmãos lá de cima.
A seca impedia ao homem do sertão qualquer iniciativa de prosperar, e os coronéis o explorava ao máximo.

As famílias, sem ter quem as amparasse, eram expulsas de suas terras por grileiros, e vinham parar nos grandes centros urbanos, passando a viver em condições sub-humanas nas favelas.

Tudo isso sob os olhares da ditadura, depois, sob Sarney, depois sob Collor, depois sob FHC.

Lula chegou e iniciou o processo de mudança dessa situação, ele próprio tendo sido um dos expulsos de sua terra natal, Guaranhuns.

Após doze anos, dois governos de Lula e um de Dilma Rousseff, 36 milhões de pessoas (18% da população), deixaram a linha de miséria e de pobreza, através de programas sociais como o bolsa-família.

Com o crédito consignado, isenção de IPI para automóveis e linha branca de eletrodomésticos, uma nova classe média aflorou no país, sedenta de consumo. Foi isso que movimentou a roda da economia mesmo depois da crise internacional iniciada em 2008, da qual o mundo ainda não se recuperou.

O Brasil mudou, e gente como meu amigo ganhou com isso.

Mas, e agora?
Não só meu amigo, mas parentes e outros amigos de longa data em geral, todos cristãos, agora se posicionam contra o Bolsa-família porque acham que já que se fizeram na vida devido ao seu próprio esforço, nossos irmãos lá de cima também tem que fazer o mesmo. Abraçaram a meritocracia, uma das coisas mais injustas e menos cristãs que o capitalismo inventou.

Alguém lhes disse que o programa é eleitoreiro. E nisso, a mídia teve um papel fundamental.

Sim, é eleitoreiro, mas só na medida exata em que seus beneficiários normalmente cumprem a lógica de, gratos, reconhecer os responsáveis pela melhoria de suas vidas. Nada mais natural.


Qual o argumento? O de sempre:
- O governo tem que ensinar a pescar e não dar o peixe, bradam eles.
O blogueiro pergunta:
- Ensinar a pescar o que, se no sertão não dá peixe?
- Ora, retrucam eles, falamos em linguagem figurada. O governo deveria ensinar a plantar.
- Plantar eles já sabem. Mas onde e como? No sertão não vale o dito ''em se plantando tudo dá!''
- Ah! Deveria então pô-los para trabalhar na enxada!
- Eles já fazem isso há séculos, mas mal dá pra sobreviver...
- Ah, não sei, então o governo deveria fazer alguma coisa!
- Mas já faz. O Bolsa-família é uma ajuda para complementar a mesa das famílias e fazer com que possam ter três refeições por dia, conforme quis Lula.
- Ah, mas outro dia vi um recibo de um banco de uma pessoa que recebeu 2500 reais de Bolsa-família. As mulheres estão tendo mais filhos para ganhar mais! Um absurdo!
- Isso não é verdade. Não se deixem iludir por quem quer acabar com o programa. O benefício é repassado às famílias com renda entre 70 e 140 reais por pessoa, sendo que cada membro recebe o valor médio de 97 reais. Ninguém vai fazer filho para ganhar 97 reais. É ilógico.
- Ah, mas é muito pouco...Então Aécio tem razão quando dizia que é bolsa-esmola!
- Urrrrrrrgh!

Pois é, meus amigos. Essa gente é instruída, tem curso superior e faz parte daquele contingente de pessoas ''bem informadas'' que FHC citou: os moradores do sudeste e sul.

É interessante notar que todos se acostumaram a viajar para o exterior nas férias, coisa que não tinham condições de fazer há dez anos atrás. Quando voltam, revelam-se impressionados por quase não encontrar mendigos ou favelas na Europa. Daí o blogueiro diz que nos países da Europa há programas específicos para impedir que famílias tenham que viver embaixo de pontes ou passar fome.

- Ah, mas lá é primeiro mundo, né?




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