sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

O Waze, o mundo líquido e a paisagem urbana

Por Fernando Castilho





Waze é uma ferramenta muito útil para você se livrar de congestionamentos encontrando a rota mais favorável para atingir seu destino. Ele processa as informações dos celulares dos próprios motoristas. Ou seja, você vai direto ao ponto.

Mas o que isso tem a ver com a modernidade líquida de Zygmunt Bauman?


Um artigo da Folha de São Paulo me chamou a atenção por ser extremamente ilustrativo do que afirma Zygmunt Bauman sobre a tese da pós modernidade ou, como ele acha melhor chamá-la, a modernidade líquida que estamos vivendo.

Antes de tudo, um approach sobre o tema.

Bauman defende resumidamente, que vivíamos até cerca dos anos 50 num mundo sólido, onde as instituições eram duradouras, as coisas se resolviam em três dimensões e as relações eram pessoais.

Hoje vivemos num mundo líquido em que tudo escapa pelas nossas mãos. As relações são fugazes e virtuais, como amizades no Facebook com as quais não se pode contar. Se você precisar de um amigo do Facebook para alguma coisa importante como passar a noite no seu quarto de hospital, esqueça. Com exceções, claro. E você adiciona amigos com a mesma facilidade com que os bloqueia ou exclui.

Tudo gira numa velocidade frenética e cada vez mais acelerada.

Nosso dia de 24 horas já não consegue mais dar conta do número de atividades que temos que executar.

E no sistema capitalista, se você não dá conta, há quem o faça.

É por isso que, ao final do ano cansamo-nos de ouvir que o ano passou tão rápido...

Não há mais tempo para reflexões, para leitura ou para o simples lazer ou ócio.

Pois bem, segundo o artigo da Folha, o israelense Uri Levine criou o aplicativo Waze e o vendeu rapidamente ao Google por US$1,1 bilhão em 2013.

Ficou muito rico e se ocupa hoje em desenvolver outros aplicativos para facilitar a vida das pessoas.

Mas o que é o Waze?

Waze é uma ferramenta muito útil para você se livrar de congestionamentos encontrando a rota mais favorável para atingir seu destino. Ele processa as informações dos celulares dos próprios motoristas. Ou seja, você vai direto ao ponto.

O terrível efeito colateral, a meu ver, é que devido ao aplicativo, deixamos de fazer uma leitura da paisagem urbana que percorremos.

Afinal, o que mais importa a você é chegar o mais rápido possível ao seu local de trabalho e mais tarde à sua casa. E é claro que você vive para o trabalho e não trabalha mais para viver, como nos tempos do mundo sólido.

E é um olho no trânsito e outro no celular.

Este trecho da entrevista de Levine, caso não se interesse em ler toda a entrevista, é especialmente revelador.



Entendeu? As pessoas não pensam mais por onde estão indo. Nem sabem mais os nomes das ruas. O Waze te leva lá e pronto. Quase que um piloto automático.

Bingo! Bauman tem razão!

Antigamente (e isso não faz muito tempo) podíamos atravessar São Paulo admirando sua paisagem ou odiando-a. Mas de qualquer forma, fazíamos uma leitura dela, o que nos capacitava a tecer críticas e sugerir mudanças.

A gente se apropriava da cidade. Agora a força da grana ergue e destrói coisas belas virtualmente, já que você deixa de vê-las e senti-las.

O Waze, neste aspecto, tem semelhança com o metrô subterrâneo. Não vemos nada da paisagem, só queremos chegar à estação desejada e fim. Nosso dia é corrido e não temos tempo para essas coisas que pertencem ao mundo sólido.

Quando o teletransporte chegar, será muito pior que isso.

Meu texto não é uma ode ao passado, visto que sou progressista, mas uma perspectiva histórica pode nos indicar aonde poderemos chegar, se levados por pessoas que estão mais preocupadas em se tornar bilionárias, como Levine.

A modernidade líquida está aí, não adianta reclamar nem lutar contra ela pois que é inexorável.

Mas ainda há iniciativas pertencentes ao mundo sólido que podem contrabalançar e reduzir um pouco a velocidade das coisas. E são muito legais.

Uma delas é a iniciativa da criação de ciclovias na cidade de São Paulo, de autoria do prefeito Fernando Haddad.

Sei que há muita gente revoltada com isso, mas isso acontece porque entraram inconscientemente de cabeça na modernidade líquida, preocupam-se somente em ganhar dinheiro o mais rápido possível e se esqueceram de tolerar aqueles que vivem mais distendidos.

Com as ciclovias é possível que se desloque de maneira menos tensa (desde que os motoristas respeitem as faixas e os ciclistas), que se interaja mais com a paisagem urbana e que se pratique mais exercícios reduzindo o sedentarismo. Além de contribuir para a redução de emissão de gases.

Outra iniciativa é a abertura da Av. Paulista aos domingos para o lazer.

As pessoas ainda gostam de dançar, cantar, fazer piquenique, papear, namorar, passear a pé ou de bicicleta com as crianças ou tomar sol.

Nessas horas esquece-se até os lap-tops e i-phones.

Afinal, temos um corpo físico e ainda não deixamos totalmente o mundo sólido.


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